Uma norma adotada pelo governo do Estado para combater o avanço da Covid-19 em Santa Catarina gerou dúvidas e polêmicas. O "toque de recolher" virou "restrição de circulação e aglomeração" após o Executivo emitir nota afirmando que o texto da medida havia sido mal interpretado.

O decreto nº 970, publicado na última sexta-feira (4), restringe a circulação e aglomeração de pessoas em espaços públicos e privados, e em vias públicas, da meia-noite às 5h. A norma vale por 15 dias.

A exceção vale em casos de circulação de pessoas no atendimento de situação de emergência, ao percurso residência -trabalho e seu retorno, assim como no funcionamento de atividades e serviços essenciais.


"Interpretação equivocada"

O teor do pacote de novas medidas restritivas para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 em Santa Catarina foi anunciado logo após reunião entre o governador Carlos Moisés (PSL), os prefeitos das maiores cidades do Estado e a Fecam (Federação Catarinense de Municípios). O encontro foi realizado de forma virtual no dia 2 de dezembro.

"Em comum acordo com os prefeitos das 21 maiores cidades do Estado, optou-se pela implementação de um toque de recolher durante a madrugada e pela manutenção do transporte coletivo, desde que seja respeitada uma ocupação máxima de 70% da capacidade dos ônibus", diz o texto publicado na página da Secretaria de Estado da Saúde.

As novas ações foram ainda confirmadas pela Fecam. No entanto, na noite de sábado (5), um dia após a publicação do decreto no Diário Oficial do Estado, o Executivo divulgou nota para esclarecer "interpretações equivocadas" sobre a nova medida.

"A ação tem viés educativo, no sentido de orientar e provocar a conscientização das pessoas para que não ocorra um colapso no sistema público de saúde", explica.

Segundo o governo, o decreto visa, "acima de tudo, limitar festas clandestinas e ambientes que descumprem regras sanitárias" e não tem a intenção de "afrontar o direito de ir e vir do cidadão".


Inibir festas e aglomeração

Em entrevista ao ND+ nesta terça-feira (8), a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde, Raquel Bittencourt, disse que o avanço do vírus é resultado do descumprimento das normas sanitárias vigentes, como o distanciamento social, o uso do álcool em gel e da máscara.

Aglomerações em festas e praias mostram o descaso da população com relação à gravidade da situação. Esse desrespeito por parte das pessoas e até mesmo de estabelecimentos causa o aumento na transmissão e, consequentemente, a alta na taxa de ocupação dos leitos de UTI.

A superintendente nega que a nova medida do Estado seja um toque de recolher, uma proibição, e afirma que é uma forma de orientar as pessoas e inibir aglomerações.

Ela ressalta que houve crescimento na taxa de jovens infectados pela Covid-19, resultado de festas e do descuido por parte de pessoas dessa faixa etária.

"Esse pessoal, de modo geral, adoece com sintomas mais brandos, mas não quer dizer que não possa evoluir para um caso grave. Essas pessoas chegam em casa, transmitem aos pais, avós, aos familiares mais velhos", diz.

O boletim do Necat (Núcleo de Estudos de Economia Catarinense) publicado no dia 30 novembro informou que, entre os dias 1º e 28, o número de infectados entre 10 e 29 anos cresceu 38%.

Nos grupos com idade de 30 a 39 anos e 50 a 59 anos, o aumento foi de 35% e 36%, respectivamente.

O painel da Secretaria de Estado da Saúde aponta que o número de infectados entre 20 e 29 anos é o segundo maior, com total de 85.438, atrás apenas da faixa etária entre 30 e 39 anos, que acumula 102.694 infectados.


Circulação durante o dia

A situação crítica em que Santa Catarina se encontra não foi causada pela circulação de pessoas durante a noite, na avaliação da professora Eleonora D'Orsi, especialista em Saúde Pública da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Ela argumenta que o principal motivo pelo qual as pessoas saem de casa todos os dias não é a praia, a festa ou a balada, é o trabalho.

A professora argumenta que as medidas são insuficientes porque não conseguem reduzir a circulação de pessoas quando realmente importa, que é durante o dia.

A taxa de ocupação dos ônibus em 70%, por exemplo, não seria suficiente para reduzir a possibilidade de contágio entre as pessoas.

"Restringir o fluxo de pessoas entre meia-noite e 5h não adianta nada porque não é o horário que tem maior circulação. A população se desloca muito mais no horário de trabalho, das 8h às 17h. Se o toque de recolher fosse imposto nesse horário, provavelmente funcionaria", diz.


Olhar para trás e ver o que funcionou

Eleonora defende que uma medida realmente efetiva seria decretar o fechamento de todos os serviços considerados não essenciais: academias, lojas, shoppings, restaurantes e bares, além da suspensão do transporte coletivo.

Circulação de pessoas durante do dia no Centro de Florianópolis é alta – Foto: Anderson Coelho/ND

Circulação de pessoas durante do dia no Centro de Florianópolis é alta - Foto: Anderson Coelho/ND

Para a especialista, o poder público deveria adotar a mesma postura do início da pandemia, quando regras mais rígidas conseguiram controlar e estabilizar o aumento de casos no Estado. A abertura de serviços e o relaxamento das medidas teriam levado Santa Catarina ao patamar crítico.

"É só olhar para trás e ver o que funcionou. Quando decretaram o fechamento dos serviços não essenciais, os números reduziram. Os dados mostram isso. O que está sendo feito é completamente diferente e não vai conseguir reduzir a circulação de pessoas e o contágio pela doença", prevê.


Fiscalização

Foi criada uma força-tarefa, coordenada pelo Grupo de Ações Coordenadas, para atuar na fiscalização e no cumprimento do decreto em todos os municípios catarinenses.

A superintendente da Vigilância em Saúde afirma que, desde sábado (5), a fiscalização se intensificou no transporte coletivo, com as vigilâncias municipais.

Além disso, a fiscalização também atua com relação ao uso da máscara, uma vez que não é mais uma recomendação, e sim uma obrigação. A inibição de festas e aglomerações está sob responsabilidade das Polícias Militar e Civil.

Bittencourt explica que a polícia irá dispersar aglomerações e orientar que as pessoas voltem para suas casas. Se a aglomeração for registrada dentro de um estabelecimento, o local será fechado e autuado, podendo receber multa da Vigilância Sanitária.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública reforçou que a atuação das forças policiais está ocorrendo com cunho de orientação.

A prefeitura de Florianópolis informou, por meio de nota, que as ações de controle de pessoas serão feitas pela polícia. Disse ainda que a Vigilância Sanitária continuará o trabalho de fiscalização para combater a disseminação da doença em estabelecimentos e garantir que sejam cumpridos os horários de funcionamento.

"A população que desejar denunciar quaisquer descumprimentos sanitários pode entrar em contato com a Guarda Municipal pelo 153 ou denunciar por meio do site do covidômetro, na aba "Denúncia Vigilância Sanitária", informa a nota.


Confira o que diz o decreto nº 970

Atendimento à noite

Limitação do horário de funcionamento de atividades e serviços não essenciais até a meia-noite, permitido o ingresso de novos clientes nos estabelecimentos até as 23h. Depois disso, segue o funcionamento no sistema delivery ou retirada no balcão.


Restrição de pessoas

O recolhimento da população vai valer entre meia-noite e 5h. O decreto fala na restrição de circulação e de aglomeração de pessoas em espaços, públicos e privados, e em vias públicas.

No entanto, fica permitida a circulação de pessoas no atendimento de situação de emergência ao percurso residência ao trabalho e seu retorno. Assim como o funcionamento de atividades e serviços essenciais.


Transporte coletivo

Funcionamento do transporte coletivo urbano municipal, respeitada a ocupação máxima de 70% (setenta por cento) da capacidade do veículo.


Uso de máscaras

O uso de máscara passa a ser obrigatório em todo o território estadual, em espaços públicos e privados, com exceção dos espaços domiciliares, enquanto durar o estado de calamidade pública.