Escravidão: 66 pessoas foram resgatadas em situação degradante em dois anos em SC
Trabalhadores que vivem nessa situação são expostos ainda a outros crimes: suas vidas são ameaçadas constantemente e também se submetem ao tráfico humano
Barracos de lona improvisados em meio à mata, comida estocada no chão, carnes podres penduradas em cercas de arame que delimitam o espaço em que os trabalhadores podem circular e água com barro dividida entre homens, mulheres, crianças e animais. É assim que o procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack descreve como viveram as vítimas da escravidão contemporânea em Santa Catarina.
Mesmo abolida em 1888, a prática que, segundo Hack, "reduz a nada" o trabalhador e "retira toda dignidade" das vítimas, ainda é uma realidade mesmo em um dos Estados com melhores índices de desenvolvimento do país. Nos últimos dois anos a Superintendência Regional do Trabalho resgatou 66 trabalhadores vivendo em situação degradante dentro do território catarinense - unidade federativa com a sexta maior economia do Brasil.
Usados para a colheita da cebola na Serra, extração de madeira no Oeste ou produção de tabaco no Sul, os trabalhadores que vivem nessa situação são expostos ainda a outros crimes: suas vidas são ameaçadas constantemente e, para chegar ao Estado também se submetem ao tráfico humano.
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Flagrante foi no Oeste do Estado - Divulgação/ND
Representante da Conaet (Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo) em Santa Catarina, o procurador afirma que é "chocante perceber que em um Estado como Santa Catarina acontece isso". O promotor avalia ainda que é uma triste realidade "que não pode mais ser tolerada".
Em setembro do ano passado, 17 trabalhadores que atuavam no corte de pinus foram encontrados em situação degradante no interior da cidade de Passos de Maia. Todos estavam na informalidade e um adolescente de 16 anos foi visto trabalhando em atividade perigosa, operando uma motosserra.
Após a fiscalização, o Ministério Público do Trabalho encaminhou os trabalhadores para as cidades de origem. Já o empregador foi autuado por 15 infrações e precisou pagar mais de R$ 19 mil a cada trabalhador pelas verbas rescisórias.
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Trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão em Santa Catarina - Foto: Divulgação/ND
Quase um ano antes, a cerca de 346 quilômetros de distância, uma situação parecida ocorreu na Grande Florianópolis. Trinta e quatro pessoas foram resgatadas de uma fazenda em Rancho Queimado.
Sem contratos formalizados e em abrigos improvisados e insalubres, os trabalhadores foram aliciados para a extração de madeira de pinus na região.
Após o pagamento das obrigações trabalhistas, eles puderam voltar para as cidades de origem: São Mateus, no Espírito Santo, e Nova Viçosa, na Bahia.
"Essas pessoas acabam recebendo uma promessa mentirosa na cidade em que moram e já saem de lá devendo a passagem. Tem o caso de alguns imigrantes que fogem dos países em crise também. Aí colocam uma 'espada' sobre a cabeça e forçam essas pessoas a trabalharem por 16 horas e por muito menos do que um salário mínimo. Por isso é preciso ser denunciado", contou o Hack.
Nos dois anos que passaram, 96 denúncias foram feitas, resultando em 24 Termos de Ajuste de Conduta e nove Ações Civis Públicas. Atualmente, o Estado ocupa a 11º colocação nos procedimentos ativos entre as 24 regionais sobre a temática. São 65 casos investigados.
SC tem quatro profissionais para fiscalização
No Brasil, o número de denúncias de trabalho escravo cresceu 7,6% em 2019. No ano passado foram 1.213 delações contra 1.127 registradas no ano anterior. Com temor de que a realidade do país chegue ao Estado, o procurador almeja mais fiscalização no Estado.
No entanto, o contingenciamento da pasta e a inexistência de concurso público desde 2013 deixam o cenário catarinense defasado. Hoje, a Superintendência Regional do Trabalho em Santa Catarina conta com apenas quatro auditores fiscais.
Chefe do Serviço no Estado, Alberto de Souza afirma que esses profissionais acabam ainda fazendo outras funções dentro da superintendência e, por isso, não conseguem dar atenção total à fiscalização.
"O ideal seria oito pessoas somente para a fiscalização, mas a gente trabalha com quatro pessoas fazendo várias outras coisas além de fiscalizar. E esse trabalho é contínuo", diz Souza.
Além da falta de pessoal, o procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack comenta que a queda no orçamento para o setor, a crise econômica no Brasil, o desemprego e as tentativas de flexibilização do trabalho também estimulam o aumento no número de casos. Dados divulgados pelo Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) mostram que em 2017 o contingenciamento para a área de fiscalização foi de 70%. Já as verbas administrativas de deslocamento, alimentação e estadia reduziram em 30%.
Considerada crime contra a humanidade e prevista no Código Penal Brasileiro, a prática foi tema de falas do presidente Jair Bolsonaro. Durante uma entrevista no último ano, o chefe do executivo federal sugeriu mudanças nas regras que envolvem trabalho análogo à escravidão para evitar que produtores rurais percam fazendas quando for constatado o crime.
"Foi uma fala infeliz. O trabalho escravo deve ser combatido, pois haverá consequências econômicas graves. E não existindo fiscalização, o aumento [dos casos] é uma consequência natural que deve acontecer". afirmou Hack.
O que é?
O Código Penal estabelece conduta trabalhista que reduz "alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
CAROLINE BORGES, FLORIANÓPOLIS
Barracos de lona improvisados em meio à mata, comida estocada no chão, carnes podres penduradas em cercas de arame que delimitam o espaço em que os trabalhadores podem circular e água com barro dividida entre homens, mulheres, crianças e animais. É assim que o procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack descreve como viveram as vítimas da escravidão contemporânea em Santa Catarina.
Mesmo abolida em 1888, a prática que, segundo Hack, "reduz a nada" o trabalhador e "retira toda dignidade" das vítimas, ainda é uma realidade mesmo em um dos Estados com melhores índices de desenvolvimento do país. Nos últimos dois anos a Superintendência Regional do Trabalho resgatou 66 trabalhadores vivendo em situação degradante dentro do território catarinense - unidade federativa com a sexta maior economia do Brasil.
Usados para a colheita da cebola na Serra, extração de madeira no Oeste ou produção de tabaco no Sul, os trabalhadores que vivem nessa situação são expostos ainda a outros crimes: suas vidas são ameaçadas constantemente e, para chegar ao Estado também se submetem ao tráfico humano.
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Flagrante foi no Oeste do Estado - Divulgação/ND
Representante da Conaet (Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo) em Santa Catarina, o procurador afirma que é "chocante perceber que em um Estado como Santa Catarina acontece isso". O promotor avalia ainda que é uma triste realidade "que não pode mais ser tolerada".
Em setembro do ano passado, 17 trabalhadores que atuavam no corte de pinus foram encontrados em situação degradante no interior da cidade de Passos de Maia. Todos estavam na informalidade e um adolescente de 16 anos foi visto trabalhando em atividade perigosa, operando uma motosserra.
Após a fiscalização, o Ministério Público do Trabalho encaminhou os trabalhadores para as cidades de origem. Já o empregador foi autuado por 15 infrações e precisou pagar mais de R$ 19 mil a cada trabalhador pelas verbas rescisórias.
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Trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão em Santa Catarina - Foto: Divulgação/ND
Quase um ano antes, a cerca de 346 quilômetros de distância, uma situação parecida ocorreu na Grande Florianópolis. Trinta e quatro pessoas foram resgatadas de uma fazenda em Rancho Queimado.
Sem contratos formalizados e em abrigos improvisados e insalubres, os trabalhadores foram aliciados para a extração de madeira de pinus na região.
Após o pagamento das obrigações trabalhistas, eles puderam voltar para as cidades de origem: São Mateus, no Espírito Santo, e Nova Viçosa, na Bahia.
"Essas pessoas acabam recebendo uma promessa mentirosa na cidade em que moram e já saem de lá devendo a passagem. Tem o caso de alguns imigrantes que fogem dos países em crise também. Aí colocam uma 'espada' sobre a cabeça e forçam essas pessoas a trabalharem por 16 horas e por muito menos do que um salário mínimo. Por isso é preciso ser denunciado", contou o Hack.
Nos dois anos que passaram, 96 denúncias foram feitas, resultando em 24 Termos de Ajuste de Conduta e nove Ações Civis Públicas. Atualmente, o Estado ocupa a 11º colocação nos procedimentos ativos entre as 24 regionais sobre a temática. São 65 casos investigados.
SC tem quatro profissionais para fiscalização
No Brasil, o número de denúncias de trabalho escravo cresceu 7,6% em 2019. No ano passado foram 1.213 delações contra 1.127 registradas no ano anterior. Com temor de que a realidade do país chegue ao Estado, o procurador almeja mais fiscalização no Estado.
No entanto, o contingenciamento da pasta e a inexistência de concurso público desde 2013 deixam o cenário catarinense defasado. Hoje, a Superintendência Regional do Trabalho em Santa Catarina conta com apenas quatro auditores fiscais.
Chefe do Serviço no Estado, Alberto de Souza afirma que esses profissionais acabam ainda fazendo outras funções dentro da superintendência e, por isso, não conseguem dar atenção total à fiscalização.
"O ideal seria oito pessoas somente para a fiscalização, mas a gente trabalha com quatro pessoas fazendo várias outras coisas além de fiscalizar. E esse trabalho é contínuo", diz Souza.
Além da falta de pessoal, o procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack comenta que a queda no orçamento para o setor, a crise econômica no Brasil, o desemprego e as tentativas de flexibilização do trabalho também estimulam o aumento no número de casos. Dados divulgados pelo Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) mostram que em 2017 o contingenciamento para a área de fiscalização foi de 70%. Já as verbas administrativas de deslocamento, alimentação e estadia reduziram em 30%.
Considerada crime contra a humanidade e prevista no Código Penal Brasileiro, a prática foi tema de falas do presidente Jair Bolsonaro. Durante uma entrevista no último ano, o chefe do executivo federal sugeriu mudanças nas regras que envolvem trabalho análogo à escravidão para evitar que produtores rurais percam fazendas quando for constatado o crime.
"Foi uma fala infeliz. O trabalho escravo deve ser combatido, pois haverá consequências econômicas graves. E não existindo fiscalização, o aumento [dos casos] é uma consequência natural que deve acontecer". afirmou Hack.
O que é?
O Código Penal estabelece conduta trabalhista que reduz "alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
CAROLINE BORGES, FLORIANÓPOLIS

















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