Cresci achando, como tantas, que o machismo era a regra, era a norma. O que me era apresentado como "ser mulher", todas as regras de comportamento, de como eu devia parecer, de como meu corpo deveria ser, como eu deveria falar, sobre o que deveria falar, nada disso me interessava. Eu pensava: se isso é ser mulher, então não quero. Queria ser "diferente das outras", sem perceber que todas as outras também sofriam as pressões que eu sentia.
Eu acho que as coisas estão, sim, mudando, mas essa mudança começou pelos grandes centros, onde as meninas têm acesso à informação. Essas meninas têm uma capacidade enorme de auto-organização e uma clareza de pensamento muito grande sobre seus direitos e sabem reagir. Mas o Brasil é enorme e ainda existem centenas de milhares de meninas que sequer estão estudando, que sequer sabem que estudar é um direito delas. Meninas que são tiradas da escola para fazer trabalhos domésticos, para cuidar de criança, para "trabalhar em casa de família". Meninas que são tratadas como inferiores, como menores e menos capazes, menos importantes, menos humanas. Isso precisa mudar.
Uma das referências da minha vida é a gaúcha Carmen da Silva. Carmen foi premiada no Uruguai em uma época na qual mulheres mal tinham voz. Depois voltou para o Brasil e introduziu o feminismo na imprensa no início dos anos 60.
Dizem essas coisas de "lugar de mulher" e tal, mas eu sempre fui uma garota que "invadia" o espaço dos homens. Isso já era combater machismo, de certa forma, mas eu não tinha essa percepção. Eu também tinha comportamentos machistas, julgava outras mulheres, me sentia superior por estar "acima delas" e ser aceita entre os caras. Eu descobri que não queria ser "um dos caras", só queria poder fazer o que eles faziam e ser respeitada.
Esse despertar veio aos poucos, pois ninguém acorda feminista. A gente vai se dando conta das situações de machismo que passamos na vida, algumas que eu sequer sabia identificar. Quando o machismo é a norma ele passa batido como algo comum, apenas parte do mundo em que vivemos.
Queremos respeito, queremos sair na rua sem medo, queremos que nosso trabalho seja valorizado. Queremos receber o mesmo que os homens recebem exercendo a mesma função. Queremos respeito no ambiente de trabalho, independentemente de nossa vida pessoal. Queremos poder exercer plenamente nossa licença-maternidade, sem pressões de empregadores e colegas achando que estamos de "férias". Queremos que os homens tenham a mesma responsabilidade que nós na criação dos filhos. Queremos garantia de atendimento de qualidade em caso de violência sexual. Queremos, enfim, ser tratadas como seres humanos com voz.
Ser empoderada é também não se calar diante de preconceitos, das opressões. Empoderar-se é, principalmente, conversar com outras mulheres, mulheres com visões diferentes. Temos que entender as mulheres de classes sociais diferentes, escutar mulheres negras, as trans e suas reivindicações. Isso é importante porque, se vivermos numa bolha, não teremos uma visão ampla do que significa ser mulher e muito menos sobre empoderamento. Existem muitos outros recortes de classe e raciais a serem levados em consideração.
Finalizo citando Audre Lorde e agradeço o convite para escrever para este jornal. "Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas".
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