
Alto Vale
JATV - Luis Felippe Fonseca Católico, Promotor de Justiça
A Câmara aprovou o texto-base de um projeto com medidas de combate à corrupção. Entre as medidas, está a condenação à juízes e promotores por crime de responsabilidade. O senhor acredita que a efetivação desta medida afeta a independência do poder judiciário?
Afeta drasticamente a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público, mas mais ainda a sociedade.
Para uma melhor compreensão da manobra de criminalização de Promotores e Juízes que a Câmara de Deputados, representantes do povo, tenta implementar e da verdadeira "marcha ré" no combate à corrupção que ela representa para a nação, vale a seguinte explicação.
O projeto de Lei nº 4.850 de 2016, chamado de "10 medidas contra corrupção", teve origem num movimento organizado pelos Procuradores da República integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato e, ao longo de meses de estudo para elaboração, divulgação e conscientização da população, foram colhidas mais de 2 milhões de assinaturas de cidadãos brasileiros.
No projeto que foi encaminhado àquela Casa Legislativa constavam 10 medidas para tornar mais efetivo e melhor instrumentalizar o combate à corrupção, dentre as quais destaco: a criminalização do enriquecimento ilícito por agente públicos, o endurecimento das penas para os crimes de corrupção, a extinção de recursos usados apenas para atrasar o processo, o aumento da prescrição para os crimes cometidos por funcionários públicos e a responsabilização dos políticos e partidos pelo chamado "caixa 2".
Na madrugada de terça-feira (29), em um momento de dor e comoção nacional pela tragédia ocorrida com a Chapecoense, os Deputados mudaram completamente o espírito do projeto e o que era para ser a "lei anticorrupção" passou a ser a "lei da intimação".
Das dez medidas sobraram apenas duas. Das 1h23min até às 4h18min da madrugada, foram votados 11 destaques que aniquilaram o Projeto de Lei e encabeçaram um contra-ataque. Às 03h15min o Plenário retirou a tipificação do crime de enriquecimento ilícito do projeto anticorrupção; às 03h as mudanças para evitar a prescrição de crimes foram retiradas do pacote anticorrupção às 02h37min o Plenário retira regras que facilitam confisco de bens provenientes de corrupção às 02h17min o Plenário exclui previsãode recompensa e proteção a quem denunciar corrupção às 01h23min foi aprovada emenda que sujeita promotores e juízes a punição por crime de responsabilidade/abuso de autoridade.
Ou seja, as medidas que tornavam mais rígidas as sanções em caso de corrupção foram retiradas e inseridas, em seu lugar, dispositivos que mantém o atual estado das coisas, e mais, querem intimidar e calar os Promotores e Juízes no exercício de suas funções constitucionais.
Desse golpe grave dado contra a democracia e a sociedade, trago dois exemplos práticos muito bem colocados por uma de nossas colegas e que trago para nossa realidade.
Na hipótese 1, o Promotor de Justiça recebe um Inqúerito Policial com narrativa de um roubo com emprego de arma de fogo ocorrido em Rio do Campo e presenciado pela vítima e por uma testemunha. Na audiência, a vítima não é encontrada, e a testemunha fica intimidada, ou não se lembra, ou até se enganou de quem era a o assaltante. O Juiz absolve o réu por falta de provas... Pronto, o Promotor cometeu crime de abuso de autoridade e responderá a um processo cujos termos ainda não estão definidos e pode ser condenado a prisão e perder o cargo.
Na hipótese 2, o Promotor denuncia um réu por roubo a caixa eletrônico com utilização de explosivos, o Juiz de primeiro grau colhe a prova, se convence de que o réu é culpado e o condena. O réu recorre. O Tribunal de Justiça, por qualquer razão, vê um fato novo, entende a situação por outro ângulo ou simplesmente tem uma opinião diferente da do Juiz de primeiro grau, uma divergência de interpretação que é a própria alma do Direito. Pronto, o Juiz que teve a sentença modificada cometerá um crime de abuso de autoridade e poderá ser preso, pagar multa e perder o cargo.
Não há outra forma de falar. Os Deputados aproveitaram o momento para estabelecer um regime antidemocrático e castrador das funções da Justiça.
Importante gizar que atualmente existem muitas formas de controle da atuação dos Juízes e Promotores, e que são agitadas em casos de abuso, podendo-se citar: a lei de abuso de autoridade nº 4.898, em vigor desde 1965, que prevê a possibilidade de punição com pena privativa de liberdade (prisão) e perda do cargo, a Corregedoria de cada instituição, o Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público - sistemas de controle que merecem atualização e modernização.
Fato é que, no meio da crise de legitimidade do legislativo, o absurdo revés vivido com a aniquilação do trabalho de anos, a escancarada resposta às operações de combate ao crime organizado desdobrou na total desfiguração das aclamadas 10 medidas de combate à corrupção e, mais grave, visam inviabilizar tal combate com a criminalização daqueles que diuturnamente lutam pela sociedade.
Não podemos aceitar a "lei de intimidação". A sociedade deve se unir novamente.
Na visão do senhor, a medida pode ter uma motivação que não seja exatamente o combate à corrupção?
A "lei da intimidação" é uma tentativa de punir a livre função de acusar e julgar, retirar a possibilidade do exercício da Justiça em si. Devolvo a pergunta: A quem interessa criminalizar os Promotores e Juízes? Qual sociedade que queremos construir? A indistinta aplicação da lei revelada pela Operação Lava-Jato, atingindo pobres e ricos, pequenos e poderosos empresários, políticos influentes, aqueles que se apropriam de pouco ou bilhões do povo brasileiro, mudou o cenário brasileiro. Com isso tudo, uma resposta está clara: o motivo destas emendas modificativas do projeto original é dar uma resposta de intimidação, o Parlamento trilhou o caminho para tentar silenciar a Justiça e evitar o progresso no combate à corrupção. Nós não podemos deixar isso acontecer.
Qual é a solução para a corrupção no Brasil?
Para mim, como solução, a mudança de cultura pela educação individual e comunitária. E a mudança de cultura se dá nos pequenos atos, na família, com os amigos, colegas, nos pequenos e grandes municípios, nos Estados, no Congresso, tendo sempre como pano de fundo a educação. A construção de uma sociedade justa e livre de atos de corrupção (falando agora detidamente quanto ao patrimônio público em sentido amplo), com vistas a realizar políticas públicas efetivas, parte da educação. Entretanto, certamente, esta solução demanda tempo, políticas públicas eficazes e está vinculada ao processo de construção dos direitos - chamado de processo democrático.
E, como peça fundamental desse avanço, está prevenção ao lado da repressão exemplar. É a quebra do ciclo vicioso. O desvirtuamento da coisa pública, da sua gestão, com atos de corrupção (em geral), desdobra em políticas públicas deficitárias ou a ausência delas. E falo de atos de agentes públicos que não cumprem seu expediente, não realizam sua função com a eficiência e urbanidade de deveriam aos cidadãos (a seus pares!), até o desvio de bilhões no caso Lava-Jato por políticos do alto escalão. Não se enganem, todos estes atos possuem a mesma natureza (apesar de magnitudes diferentes) e levam para o seio da administração pública e da sociedade a cultura do ilícito, do ineficaz, do aproveitador, do usurpador de recursos, daquele que mistura o público com o privado.
Certamente devemos buscar meios e mecanismos de gestão inteligentes para prevenir tais atos, fazer valer as leis, ao passo que invariavelmente devemos melhorar, tornar mais eficazes os meios de repressão à corrupção, que hoje são insuficientes. Os meios de investigação e colheita de provas devem ser melhorados e as penas devem ser mais rígidas a ponto de realmente punir, e mais, desestimular àqueles que atualmente praticam atos desta natureza, violando os interesses mais caros da sociedade.
Agora, o que se propõe sem a liberdade dos Promotores e Juízes que viabilizam todo esse mecanismo de fiscalização das políticas públicas, dos agentes públicos e dos políticos que a implementam, dos que desvirtuam e desviam recursos públicos, dos que não cumprem a Constituição e as Leis, não é sequer imaginável. As 10 medidas contra a corrupção seriam um marco decisivo nesta construção social para um Brasil melhor.
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