A fim de cumprimentar os trabalhadores pela data que os homenageia, dia primeiro de maio, o JATV, através do espaço da Série 'Pé na Estrada', foi buscar na região norte do Brasil contato com um trabalhador que tem muita história e conhecimento para contar. O Riocampense, Moacir Haverroth, relata sobre a sua história de vida, momentos em que viveu na comunidade de Taiozinho perto da família, as metas conquistadas e os conhecimentos adquiridos.

Formação Acadêmica:

Técnico em Agropecuária pelo Colégio Agrícola de Camboriú, entre 1984 e 1986;
Graduado em Ciências Biológicas pela UFSC, entre 1988 e 1992;
Mestrado em Antropologia Social pela UFSC, entre 1993 e 1997;
Doutorado em Ciências - Saúde Pública, com trabalho na linha de Saúde de Populações Indígenas, entre 2000 e 2004, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 

A história da família

Moacir Haverroth, 46 anos, é pesquisador da Embrapa Acre desde 2007. O Riocampense é filho de José Heverroth e Maria Steinbach Haverroth, solteiro e tem dois filhos.

O pai de Moacir nasceu na comunidade de Rio Wildy, atualmente município de Salete, em 1942, época em que muitos imigrantes ainda estavam chegando à região. Foi agricultor, líder comunitário, sempre envolvido nas questões da Escola, Igreja (Católica), Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio do Campo, Cooperativa (Cravil), etc. Foi vereador em Rio do Campo no início da década 1980. "Ele faleceu em 1992, um mês antes de minha formatura na faculdade de Ciências Biológicas (UFSC), num acidente na Rodovia BR 470, próximo ao município de Ibirama, quando um carro-forte se perdeu na pista na descida e acertou o carro em que viajavam meu pai, minha mãe e os três irmãos menores. Foi um trauma muito grande para nós todos e que consternou toda a comunidade de Taiozinho, especialmente, e Rio do Campo como um todo, já que meu pai era bem conhecido e muito respeitado por todos", relata Moacir.

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A mãe de Moacir é filha de Rodolfo Steinbach e Carolina Nata Preis, os quais eram bem conhecidos em Rio do Campo "Ambos são filhos de imigrantes alemães mais recentes que da família de meu pai. Minha bisavó (mãe de Carolina), por exemplo, chegou ao Brasil em 1920 com seu pai, uma irmã e um irmão. Meus bisavós maternos (de ambos os lados) foram um dos primeiros moradores da comunidade de Rio Waldrich, em Rio do Campo", descreve Moacir.

O Biólogo riocampense conta que seus pais casaram em 1965, foram morar na comunidade de Taiozinho "Local em que dquiriram uma pequena propriedade rural (25 hectares), próximo à terra de meus avós paternos. Foi nesse local em que nasci. Meu parto foi feito em casa mesmo pela minha bisavó materna, Helene Paffrath Preis, que era parteira também. Esta propriedade continua com a família ainda hoje. Atualmente, minha irmã mais nova mora lá com sua família", acrescenta.

Hoje a mãe de Moacir reside numa comunidade no interior do município de Vítor Meireles, para onde se mudou há uns dois anos. Ela vai completar 70 anos em dezembro deste ano.

Os irmãos de Moacir Haverroth

Foto 03 - Família.jpgDo casamento de José e Maria, nasceram sete filhos, dos quais segue breve descrição abaixo por ordem de idade:
- Célio Haverroth, Eng. Agrônomo, trabalha na EPAGRI. Atuou durante alguns anos na Região de Chapecó e, recentemente, se mudou para Florianópolis.
- Luceni Goetten de Lima: aos 14 anos, se mudou para a cidade de Taió a fim de estudar no Colégio Luiz Bértoli. Mais tarde, viria se casar com José Goetten de Lima, que veio a ser prefeito de Taió e faleceu precocemente, em 2010, vítima de problemas cardíacos. Atualmente, Luceni mora no município de Ilhota, após passar por Rio do Sul e Itajaí.
- O terceiro foi Moacir Haverroth;
- Tito Haverroth: aos 14 anos, se mudou para Joinville, onde vive até hoje. Trabalhou 17 anos como bancário e, desde então, atua na área do comércio.
- Hector Sílvio Haverroth: Eng. Agrônomo, também trabalha na EPAGRI. Atuou nos municípios de Pinhalzinho, numa cidade do oeste do Estado e, até recentemente, em Massaranduba.  Atualmente, mudou-se com a família para Joinville.
- Luciano Haverroth: morava até recentemente em Joinville, mas mudou-se com sua família, para São Bento do Sul. É professor de Física.
- Tatiana Patrícia Haverroth: Casada, mora com sua família, atualmente, em Taiozinho, Rio do Campo, na mesma propriedade da família, de onde todos os demais saíram um dia. 

A infância vivida em Rio do Campo

Moacir nasceu na comunidade de Taiozinho e teve uma infância como a da maioria das crianças da época (anos setenta e parte dos oitenta) daquela região que eram filhos de agricultores familiares, como Moacir. "A vida era de muito trabalho na lavoura. Nossa vida se resumia, praticamente, ao trabalho na lavoura ou com a criação (vacas de leite, porcos, galinhas, cavalos de tração), à escola e, aos domingos, à igreja e futebol. Nós, sendo agricultores, plantávamos quase de tudo, mas o carro chefe da propriedade era o tabaco, que exigia muita mão de obra quase o ano todo. A produção de feijão, arroz, milho, mandioca e leite também tinha cunho comercial, mas com menos expressão. Além disso, plantavam-se diversas outras espécies para consumo próprio e, eventualmente, pequenas vendas para moradores locais que costumavam ir lá em casa comprar. Havia uma Serraria próximo de nossa casa e muitos operários compravam pequenas quantidades desses produtos. Meu pai também cedia pequenos pedaços de terra para que eles pudessem plantar algumas coisas e nunca cobrava nada por isso", conta Moacir.

O futebol não podia faltar "Nossa principal diversão era jogar futebol. Eu e meus irmãos mais velhos (Célio e Tito) sempre jogávamos muito e éramos considerados bons jogadores", comenta e acrescenta que iniciou os estudos na comunidade em que nasceu "Nosso primeiro grau (atual ensino fundamental) foi na Escola Básica Maestro Heitor Villa Lobos, em Taiozinho. Inicialmente, só havia o ensino de primeira a quarta série. A quinta série começou no ano de 1978, para nossa sorte, pois deu certo que meu irmão mais velho fez parte da primeira turma de quinta a oitava séries daquela Escola, minha irmã da segunda e eu da terceira".

Rezar sempre foi preciso "Aos domingos, era obrigatória a presença na igreja. Ainda lembro-me da igreja antiga de madeira em Taiozinho. Lembro de meu pai ajudando a construir a igreja atual, isso ainda nos anos setenta. Meu pai era Ministro da Eucaristia e, após certo tempo, ele praticamente substituía o padre, já que este só podia comparecer uma vez ao mês. Era o saudoso Pe. Cornelius Kniebeler, o qual atendia a todas as comunidades do município. De tempos em tempos, havia as festas da igreja ou da escola, onde a gente sempre ia, embora sem dinheiro para gastar. Foi uma infância de muito trabalho e estudo, mas, mesmo assim, haviam os momentos de alegria e diversão ao nosso modo. Foi a base de essência do que nos tornamos. Por mais que viajamos e ganhamos o mundo, vamos sempre carregar a essência daquela infância e daquele lugar".

Moacir residiu em Rio do Campo, mais precisamente em Taiozinho, até o ano de 1983, quando terminou a oitava série (atual nono ano) aos 14 anos de idade. Em 1984, foi para o Colégio Agrícola de Camboriú, que seguia o regime de internato. Quando terminou o Colégio, em 1986, morou por mais um ano e meio em Taiozinho, pois ainda era menor de idade quando se formou. Em 1988, na passagem dos 18 para os 19 anos, então, mudou-se para Florianópolis, onde fez a faculdade e o Mestrado.
    Hoje, Moacir quase não visita o município de Rio do Campo "Normalmente, costumo ir, pelo menos, uma vez por ano. Entretanto, como a distância é grande, desde dezembro de 2014 que não vou. O principal motivo que me move para essas visitas é minha mãe e demais familiares, mas sempre é bom respirar o ar da origem para nos lembrarmos de onde viemos, mesmo que o lugar esteja já bem diferente do que era e, a cada vez, reconhecemos menos pessoas e também somos menos reconhecidos por lá. Coisas do tempo!"

Estudar, esse foi o incentivo do pai

Moacir Haverroth comenta que o pai sempre os incentivou muito a estudar "Ele dizia que tínhamos que estudar para ser alguém na vida e não ser enganado por ninguém. Como nossa terra era pequena (pouco mais de vinte hectares), não teria como dividir para todos e ter condições de se sustentarem. Meu pai sempre achou que tínhamos que estudar para seguir nossa vida. Felizmente, todos nós sempre tiramos ótimas notas na escola e éramos considerados bons alunos. Meu pai só chegou a fazer a terceira série porque, na época deles, não havia escolas, nem condições para se estudar, mas ele sempre dizia que gostaria de ter estudado mais. Tanto que chegou a fazer o antigo Mobral nos anos setenta. Ainda lembro dele saindo e chegando à noite para ir à escola. O primeiro a sair foi meu irmão mais velho. O professor de português, Alfredo Peiker, hoje aposentado, levou a informação sobre o processo de seleção no Colégio Agrícola de Camboriú e sugeriu que alguns alunos o fizessem. Meu irmão mais velho se interessou e meu pai o incentivou. Ele foi ao Colégio, em Camboriú, fez o processo de seleção e foi aprovado. Isso abriu algumas portas, pois era uma coisa nova para a gente.Dois anos depois, quando terminei a oitava série, também fui fazer esse processo de seleção e também fui aprovado. Assim começou a minha caminhada fora da nossa comunidade de origem. Minha irmã também já tinha ido, um ano antes, para Taió a fim de estudar. Os irmãos mais novos fizeram o então Segundo Grau no Colégio Dr. Fernando Ferreira de Mello, de Rio do Campo, mas também saíram de Rio do Campo depois disso. Apenas minha irmã mais nova acabou retornando e mora em Taiozinho".

O Biólogo riocampense conta que nos anos 80, houve grande migração de moradores de Rio do Campo para cidades maiores do Estado, principalmente Blumenau e Joinville. "Muitas famílias se mudaram nessa época. Entre as famílias que ficavam, como a nossa, os jovens acabavam saindo em busca de estudo ou trabalho e foram ficando apenas os mais velhos. Assim, a comunidade de Taiozinho, como outras, hoje é bem menor, com bem menos moradores que naquela época em que vivíamos lá. Um sinal disso é que, quando lá vivíamos, era possível formar vários times de futebol (infantil, aspirante, principal e veteranos) e sempre havia torneios entres as comunidades. Atualmente, quando vamos visitar a comunidade, é difícil juntar gente para formar um time de futsal", enfatiza.

Lembranças de Rio do Campo 

"As melhores lembranças estão associadas aos momentos de convivência em família e com amigos", afirma Moacir. "Apesar de a realidade ter sido um tanto dura devido às condições de vida, relativa pobreza e cotidiano no trabalho, tenho também boas lembranças. Não consigo, neste momento, pontuar uma ou outra especificamente, mas, de maneira geral, tínhamos os momentos de brincadeiras entre os irmãos, primos, na escola ou nos passatempos aos domingos".

Os pais: uma referência 

O visão de futuro do pai foi fundamental para o crescimento profissional da família "Apesar de nossa criação um tanto dura, meu pai sempre foi uma referência para todos nós. Hoje, olhando para trás, nós conseguimos entender o esforço dele para que pudéssemos viver uma realidade melhor e, para tanto, ele dependia de nosso esforço também. Porém, sua visão de futuro é que nos proporcionou poder estudar e seguir um caminho de independência. Por outro lado, minha mãe sempre foi uma referência de amor mútuo. Meus pais sempre foram muito unidos. Eu sempre tive muita adoração pela minha mãe. Então, são as pessoas mais marcantes dessa parte da minha vida. Obviamente, muitas outras pessoas marcam nossas vidas, mas, se é para lembrar de alguém, é deles".

Breve histórico da trajetória profissional:

- Rio do Campo: Nasceu em Taioizinho, em 03/08/1969, morou até os 14 anos, além de um período de um ano e meio após o Colégio (entre 17 e 18 anos).
- Camboriú: Morou em Camboriú entre 1984 e 1986, nos três anos de Colégio Agrícola interno. Porém, morava no próprio Colégio.
- Florianópolis: em agosto de 1988, foi para Florianópolis a fim de cursar a faculdade. Na época, o ingresso numa Universidade Federal era bem restrito e era bem difícil passar no Vestibular. Saía até a lista dos aprovados nos jornais e era o meio que tínham de saber a notícia. Fez a faculdade de Ciências Biológicas em quatro anos, formou-se no dia 04 de setembro de 1992, praticamente um mês após a trágica morte de seu pai. Em 1992 ainda, chegou a iniciar o curso de Filosofia na UFSC, mas, como passou no processo de seleção para o Mestrado em Antropologia Social, não deu continuidade ao Curso de Filosofia. Em 1993, começou o Mestrado e defendeu a Dissertação em junho de 1997.
- Boa Vista-RR: No meio do curso de Mestrado, teve uma experiência como professor de Antropologia Cultural e Antropologia Física na Universidade Federal de Roraima. Na época, o Mestrado ainda tinha duração de quatro anos e tinha bolsa de dois anos e meio. Quando terminou a bolsa (CAPES), estava sem recurso, tinha que trabalhar para poder continuar o Mestrado. Surgiu a notícia de uma vaga para professor substituto na UFRR e resolveu ir para lá. Foi aceito e, pela primeira vez, foi morar no Norte, acima do Equador, onde ficou durante o segundo semestre de 1995. A UFRR ainda era muito nova (5 anos), os(as) alunos(as) eram todos mais velhos que Moacir, mas conseguiu fazer um bom trabalho e foi uma ótima experiência. Entretanto, teve que retornar à Florianópolis para terminar o Mestrado. A ideia era defender a Dissertação e retornar para Boa Vista, mas, não conseguiu fazer isso em tão pouco tempo e acabou tendo que ficar em Floripa, onde começou a dar aulas na Rede Estadual de ensino em vários colégios. O salário era muito baixo e mal dava para pagar o aluguel, pegava ônibus super lotado todos os dias de manhã e à noite. Enfim, defendeu a dissertação.
- Rio Branco-AC: A orientadora de Mestrado, Esther Jean Langdon, uma antropóloga americana que havia pesquisado entre Povos Indígenas da Colômbia e, até hoje, mora em Florianópolis, tinha contato com uma ONG do Acre, a Comissão Pró-Índio do Acre, uma das mais antigas do Acre e do Brasil. A Comissão Pró-Índio tinha três setores, Educação (com formação de professores indígenas), Saúde (com formação de Agentes Indígenas de Saúde) e o setor de formação de Agentes Agroflorestais Indígenas. O médico que coordenava o setor de saúde (Paulo Brígido de Alencar) estava à procura de alguém para trabalhar nesse setor. A orientadora de Moacir prestava assessoria a ele, já que é uma grande especialista em saúde indígena. Ela achou que ele tinha o perfil adequado e o indicou. Iniciaram os contatos e Moacir ficou bastante interessado, pois tinha tudo a ver com o que vinha estudando no Mestrado (Saúde Indígena, plantas medicinais, antropologia da saúde...). Assim, em novembro de 1997, foi para o Acre pela primeira vez. Ficou na Comissão Pró-Índio por dois anos. O trabalho, basicamente, era preparar e ministrar cursos de formação dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e, depois, viajar para as Terras Indígenas, prestando assessoria aos AIS, acompanhando enfermeiros nos atendimentos e fazendo levantamentos gerais sobre saúde e saneamento. Nessa época, fez viagens pelo Rio Purus e Rio Iaco (afluente do Purus). As viagens duravam dois meses, passando de aldeia em aldeia. Um trabalho bem difícil devido às condições logísticas e ambientais, mas muito enriquecedor como experiência profissional.
- Rio de Janeiro: Com o desenvolvimento do trabalho na Comissão Pró-Índio do Acre, juntando com o tema do Mestrado, partiu em busca do doutorado.
"Desde pequeno, eu havia estabelecido a meta de estudar até onde fosse possível e o doutorado seria o último degrau na formação. Após diversos contatos com professores de algumas instituições, escolhi a Escola Nacional de Saúde Pública, ligada à Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (ENSP/Fiocruz). Fiz contatos com os professores Carlos Coimbra Júnior e Ricardo Ventura Santos, ambos também biólogos e com Mestrado e Doutorado em Antropologia Médica nos EUA e aceitaram serem orientadores. Fiz o processo de seleção para o doutorado em Saúde Pública e fui aprovado. Carlos Coimbra Júnior foi, então, meu orientador. É um dos maiores especialistas em Epidemiologia e Saúde de Povos Indígenas no Brasil. Minha pesquisa de doutorado foi entre os Wari' (ou Pakaanova) de Rondônia e defendi a tese em 18 agosto de 2004. Para tanto, fiquei durante quatro meses nas aldeias da Terra Indígena Igarapé Lage, em Guajará-Mirim-RO", destaca Moacir.
Brasília: durante o doutorado, em 2002, aconteceu que a então namorada, Selma Maria Neves de Souza, que é acreana e tinha ido morar em Brasília, ficou grávida do primeiro filho (Dafnis de Souza Haverroth). "Assim que apresentei minha qualificação no doutorado, que é a apresentação do projeto de pesquisa, como eu já havia cumprido todas as disciplinas, fui morar em Brasília, em maio de 2002, para estar junto dela, mesmo estando ligado ao doutorado na ENSP/Fiocruz. Assim, nasceu nosso primeiro filho em 24/09/2002, em Brasília. Quase dois após, ainda durante o doutorado, nasceu nosso segundo filho, também em Brasília, em 09/08/2004. No dia 18/09/2004, defendi a tese no Rio de Janeiro. Nessa época, eu já estava em busca do trabalho seguinte e fiz dois concursos públicos, uma para a Fundação Nacional do Índio (Funai), no qual passei em 10º lugar, e outro na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI), no qual havia apenas uma vaga e eu passei em primeiro lugar. Fui chamado para os dois cargos e acabei optando para a CASSI, onde trabalhei como Analista de Informação em Saúde por exatamente um ano. Em 2005, minha então companheira teria que retornar ao Acre devido ao seu cargo. Comecei a buscar alternativas para mim também no Acre. Assim, optei por submeter um projeto de pesquisa ao CNPq como bolsista de Desenvolvimento Regional junto à Universidade Federal do Acre (UFAC), uma modalidade de bolsa para atrair doutores para a Região Amazônica. O CNPq aprovou a bolsa. Minha companheira voltou ao Acre com nossos filhos em julho de 2005 e eu só retornei em outubro do mesmo ano, após ter a bolsa aprovada pelo CNPq e, então, ter pedido demissão do trabalho na CASSI", relata.
- Rio Branco: novamente em Rio Branco-AC, iniciou os trabalhos na UFAC, como bolsista do CNPq. Além do projeto de pesquisa junto aos Kulina (ou Madijá, leia-se Madihá) do Alto Rio Envira, em Feijó-AC, também ofereceu a disciplina de "Etnobiologia" para o Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais. "Entretanto, em 2006, surgiu o concurso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), tendo uma vaga de pesquisador em "Prospecção de plantas medicinais, aromáticas, condimentares e ornamentais" para a Unidade do Acre (Embrapa Acre). "Então, resolvi fazer esse concurso e fui aprovado em primeiro lugar nesta vaga. Desta forma, ingressei na Embrapa Acre em 16/03/2007, onde estou até hoje como pesquisador", destaca Moacir.

O Biólogo Moacir nunca teve dificuldade quando mudava de cidade "A parte mais difícil é sempre a adaptação no início. No entanto, no geral, nunca tive muitas dificuldades nesse sentido. Sempre me adaptei com certa facilidade. Acredito que a formação em Antropologia tenha me ajudado bastante nisso, pois é uma área em que buscamos sempre entender a cultura do outro e estamos sempre abertos a aprender com os outros e com as diferenças".

As experiências adquiridas "Em todas essas experiências, sempre aprendemos muito. O importante é estarmos abertos a aprender e aproveitar as novas situações para enriquecermos nossa bagagem cultural. Quando vamos morar em outro lugar, temos que estar cientes de que, a partir daquele momento, faremos parte daquele lugar. Devemos aceitar as condições locais, a cultura local e saber que vamos passar a fazer parte do lugar. Dessa forma, passamos a nos identificar com o lugar onde estamos. Afinal, nossa vida está onde nós estamos. Hoje, quando viajo e me perguntam de onde eu sou, respondo que sou do Acre, embora, como escrevi anteriormente, tenho consciência de que minha essência vem lá do Taiozinho, interior de Rio do Campo".

O trabalho na Embrapa 

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Moacir Haverroth relata como é o seu trabalho na Embrapa "Sou pesquisador na área de "prospecção de plantas medicinais, aromáticas, condimentares e ornamentais". O interessante é que essa área consegue juntar meu ensino técnico (Colégio Agrícola), minha graduação, meu mestrado e meu doutorado, já que depende de conhecimentos de ambas as áreas. O tema "Plantas Medicinais" é o foco do meu trabalho. O estudo de plantas medicinais segue uma cadeia ou sequência que vai desde a prospecção de espécies até a produção de algum medicamento com base em plantas ou em princípios ativos derivados de plantas. O meu trabalho é a primeira etapa desse processo e, para tanto, eu me baseio na Etnobotânica, que é uma abordagem ou disciplina que parte do conhecimento que as populações já possuem, baseadas em sua tradição local e cultural, sobre plantas medicinais. Entretanto, nessa abordagem, não focamos apenas nas plantas em si, mas em toda a carga cultural envolvida no conhecimento e nas práticas de tratamento e concepções de saúde, doença e cura próprias de cada cultura. Assim, buscamos trabalhar com projetos entre povos tradicionais e indígenas principalmente, mas, usando essa abordagem, podemos pesquisar com qualquer população. Inclusive, já aprovei dois projetos de pesquisa de levantamento de espécies em quintais urbanos de Rio Branco. Os principais projetos que aprovei, na Embrapa (todo projeto deve ser aprovado em editais internos), foram com os Kulina do Alto Rio Envira, município de Feijó-AC (2008-2011), entre os Kaxinawá de Nova Olinda (2011-2014) e um novo projeto entre os Kaxinawá de Nova Olinda atualmente em execução (2015-2018). Além disso, também venho atuando em diversos outros projetos em Reservas Extrativistas do Acre e com agricultores familiares em geral".

As diferenças culturais

Os lugares que Moacir percorreu até o momento são bem diferentes e obteve diversos conhecimentos culturais "Primeiramente, devo dizer que a região onde eu nasci, hoje, está muito diferente de quando eu nasci e lá vivi. Essas mudanças são naturais ao longo do tempo e devidos às diversas mudanças nos contextos socioeconômicos regionais, nacional e mundial. Dessa forma, fica até difícil eu comparar o lugar de lá com o lugar daqui, pois poderíamos fazer uma análise diacrônica (ao longo do tempo), sincrônica (no tempo atual) ou espacial (de região para região). Porém, para sermos sucintos, há diferenças regionais marcantes, tanto nos aspectos ambientais como históricos e culturais. O que percebemos é que, em sua maioria, as pessoas do Sul do Brasil não têm muita noção quanto à realidade amazônica. São coisas que só quem vive aqui consegue avaliar. Em geral, as pessoas no Norte são mais abertas a viajar para outros Estados e também para receber pessoas que para cá, o que, certamente, está ligado à realidade daqui. No Sul, como tudo está muito disponível nas proximidades e as pessoas são muito ligadas ao lugar onde vivem, acabam não saindo do próprio Sul. A maioria de meus parentes nunca saiu de Santa Catarina. Aqui, o transporte fluvial e aéreo é muito mais usado, enquanto no sul, devido à estrutura rodoviária mais complexa, o transporte é quase todo via rodovias. Outra diferença é em relação à alimentação. No Norte, come-se mais peixe, os temperos são diferentes, usa-se muito a farinha de mandioca na alimentação, que é bem diferente da farinha de mandioca do sul do Brasil, há muitas espécies frutíferas próprias da Região Amazônica que a maioria das pessoas do sul nunca ouviu falar ou nunca viu. Há muitas outras diferenças, mas me alongaria muito se fosse detalhar cada aspecto".

Em que local Moacir prefere morar?

Um pergunta que não é muito fácil de ser respondida "Essa resposta é muito difícil de ser dada, pois ambas as regiões há coisas boas ou que gostamos mais e outras nem tanto ou até das quais não gostamos. Aqui, as relações interpessoais me parecem mais fáceis, as pessoas são mais abertas às novidades e outros modos e visões de mundo. Eu diria que, para Rio Branco ser quase ideal, só falta uma praia em frente ao Mercado Velho, onde corre o Rio Acre. Por isso, quando vou para SC, gosto muito de ir à praia. Morei cerca de 10 anos em Florianópolis, com muita praia e lagoas e disso sinto falta. Além disso, para o meu trabalho atual, aqui é muito profícuo. Temos floresta, diversidade biológica e diversidade cultural. No Acre, temos 87% de cobertura florestal, 15 povos indígenas, Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais, etc. Quando se junta isso tudo, forma-se uma grande riqueza biológica e cultural e, principalmente, pela interação entre essas diversidades. Para o meu trabalho, isso é ótimo, mas também para a convivência e aprendizagem. As visitas para Rio do Campo, especificamente para Taiozinho, são para renovar a convivência com a família, pois acaba sendo um local de encontro, já que os irmãos vivem todos em cidades diferentes. Porém, com a população local atual, a gente acaba ficando cada vez mais distante e estranho e o que fica é muito um saudosismo de um lugar que não existe mais. Assim, hoje, me identifico muito mais com o Acre do que com Santa Catarina e, principalmente, com Rio do Campo, mas sei que é de lá que vim e mantenho uma relação de respeito com o lugar. Sempre acompanho as questões locais via internet, inclusive os trabalhos da gestão pública. Atualmente, o prefeito é meu parente. A internet facilita muito isso". 

Sobre as escolhas e as oportunidades, Moacir afirma "Há um misto das duas coisas. Algumas coisas eu fui escolhendo, foram opções. Outras foram aparecendo. As oportunidades estão sempre surgindo na nossa frente. Cabe a nós as escolhas, as iniciativas e atitudes em relação a elas. Outras oportunidades a gente cria. Minha formação, por exemplo, seguir minhas escolhas, mas também foram influenciadas pelos caminhos que segui ou circunstâncias de cada momento".

A definição de seu trabalho "Meu trabalho é instigador, apresenta muitos desafios. É preciso estar muito preparado para enfrentar determinadas situações, fisicamente, psicologicamente e intelectualmente. É preciso estar aberto para entender o ponto de vista dos outros, saber interpretar os conhecimentos, as crenças e as práticas das populações com quem trabalhamos e saber interpretar os vários pontos de vista. Com nosso trabalho, buscamos contribuir para a melhoria das condições de vida das comunidades envolvidas diretamente nos projetos e desenvolvendo conhecimentos e tecnologias que possam ser adaptadas a outras realidades".

Mensagem ao povo Riocampense

"Eu, como riocampense, respeito muito o povo desse município, principalmente os agricultores familiares, pois me criei numa família de agricultores, trabalho numa Empresa voltada também para esse público, e sei muito bem sobre os desafios de quem trabalha no campo ou na floresta. Rio do Campo é um município que se formou a partir de várias matrizes étnicas e culturais, é uma cidade com um mosaico cultural que vem dos indígenas e migrantes diversos. É um município pequeno, uma cidade pequena, mas isso, atualmente, é uma vantagem, pois a maioria das cidades médias (como Rio Branco) e grandes estão ficando muito difíceis de se morar, muito trânsito, violência em geral, o cotidiano é bastante estressante. Em Rio do Campo, mora a calma, o sossego, a paciência, a tranquilidade, a simplicidade e tantas outras características cada vez mais raras. É isso que necessitamos valorizar. Portanto, espero que Rio do Campo continue pequena, nesse sentido, para continuar oferecendo essas coisas boas e que fazem bem às pessoas. Obviamente, a administração pública e os próprios moradores devem procurar melhorar, cada vez mais, as condições de infraestrutura, educação e saúde, pois estas sempre podem e devem melhorar", expressa Moacir Haverroth.